Carta aos Realtragistas

Os aspectos negativos da realidade sempre existirão, pois como todo fenômeno, tem seus lados, tanto negativos quanto positivos, mas que podem variar de intensidade e se diversificar em vários pontos. Cabe a nós, seres atuantes da realidade, tomarmo-nos consciência deste fenômeno, tendo a certeza de que nossas ações individuais, somadas num contexto, fazem, como que sendo o Efeito da Causa, com que tenhamos a tal Realidade que aceitamos – e muitas vezes dela discordamos.

Um aspecto negativo da Realidade, é a Causa do Efeito do descaso, da ignorância (de ignorar) e da alienação de todas as pessoas que estão incluídas nesta determinada Realidade. Para sermos práticos, usemos o exemplo das favelas, que tiveram suas origem quando os escravos foram “simbolicamente alforriados” e soltos à sociedade sem nenhum preparo intelectual e ainda sendo vistos como animais, para competir com a massa de imigrantes que vinha ao Brasil, que também foi precariamente assalariada, e se foi instalar nos rincões das grandes cidades, quando seus trabalhos nas fazendas eram perdidos.

Qualquer traço negativo da Realidade pode ser – e já é -- muito bem argumentado de que o causador deste traço é o Governo, que deveria ser, segundo essas pessoas que argumentam, como um enorme chefe-de-família, coordenando então as ações de todos, e portanto: o fenômeno de mutação da Realidade. Isso é um erro.

Pois quem causa este fenômeno é cada pessoa, cada ser, e por isso: não adianta generalizarmos a responsabilidade pelo tal fenômeno numa só organização, centralizada e até eleita, pois este que a sociedade que o elegeu só poderá remediar os pontos negativos, e então: executará. Não há prevenção, apenas uma constante correção de erros da sociedade, neste plano de Democracia Representativa, e que, para que haja realmente uma mudança – e ainda não uma resolução do caso – tem de haver já o erro, ou o aspecto negativo; ou seja: que pessoas têm de sofrer com a Realidade, para que o Governo tome sua posição – saindo de sua inércia, pela suposta cobrança dos eleitores e da mídia – para tentar remediar toda a situação; e assim como quem tira a água do barco que está afundando, o Governo asfalta as favelas, faz o policiamento, combate o tráfico de drogas e a violência, e também leva escolas, mas tudo ao padrão que resolva a situação vigente e não a que causou todo o fenômeno de deu origem àquela favela em questão.

O Governo remedia, corrige os erros da sociedade, que ignora e se põe fora da discussão e da ação de o que vem a ser uma Realidade generalmente melhor; e a isso faz dando junto o poder de ação aos seus governantes, “confundindo a formação com a realização destes conceitos”, assim: votamos e deixamos que os governantes façam pela Realidade o melhor, mas os que conceituam a Realidade são os mesmos que fazem-na, ao contratarem professores, técnicos e pensadores para que se parametrifique o que deve ser remediado e que não têm condições de resolver problema algum, pois quando se tomam para resolver o problema, atacam-no como acontecimento, e assim: remediam, corrigem, e disso citamos os políticos que ainda o fazem, políticos estes que são os ditos: honestos.

De outro lado, podemos ver os reclamadores da Realidade, atacando os aspectos negativos sempre do Efeito para a Causa. A exemplo, podemos citar os grupos de Rap, que é a representação das pessoas que mais sofrem com os aspectos negativos, e que fazem realmente uma motivação a estas pessoas, devolvendo-nas alguma idéia de identidade com sua realidade, pois sim: o pobre que vê dois tipos de Realidade: a sua, sendo pobre e a do próximo, sendo a rica, não se reconhece com nenhuma, pois a produção cultural, que é a que exprime seu ser maior, está nas mãos desta segunda Realidade. Mas, estes grupos de Rap atacam o problema no Efeito, pondo uma “classe, ou Realidade contra a outra, revelando sua revolta contra todos os efeitos que constituem sua Realidade, e o fazem culpando tanto os Governantes como os ricos sim, mas na agressividade, gerando a discórdia e mais confusão com o que deve ser feito pela Realidade, temos, na voz do Rap, alguém que motiva quem sofre e que reclama, somente.

Além destes artistas, há os que não sofrem diretamente com os aspectos da pobreza ou outro negativo qualquer, e que se fazem de voz de quem sofre, mas que são hipócritas, por não estarem ligados e não sentirem e apenas conhecerem o que de tanto fazem arte. Essas pessoas contribuem muito para o repensamento de todo e qualquer cidadão, pois não restringem sua arte ao direcionamento dos sofredores, como é o caso anterior, mas quando deixam de direcionar a quem sofre, acabam somente vendendo o sofrimento humano e não apresentando uma discussão sobre o que deve ser feito para o fim deste sofrimento.

Pessoas informadas e com certa consciência coletiva discutem e reclamam sobre sua Realidade geral, mas não são capazes de perceberem-se como seres atuantes, e não só reclamantes e críticos. Do entendimento para a crítica e de crítica para discussão; desta, vamos para ação, esta é a fórmula de mutação da realidade, e somente a última etapa, a da ação, pode, e não necessariamente, ser efetuada pelo Governo e pelos Poderes, em geral.

Senhores e senhoras Realtragistas: tomemos consciência de nosso papel nesta Realidade; sendo artistas ou não, sejamos Realtragistas em essência, buscando conceituar, discutir e agir na Realidade, apresentando-nos como seres com o mesmo interesse e causadores, todos, dos aspectos negativos que sentimos na pele ou conhecemos de longe, somos nós, senhoras e senhores, que devemos apresentar a Tragédia com um destes aspectos negativos da Realidade, e destes: o pior, que aniquila brutalmente a vida e que por isso devem ser discutidas e efetivamente mudadas as ações que geram suas Causas, que nada mais são do que a Demorepresentação, e consequentemente: a Alienação.

Artistas Realtragistas: façamos arte para apresentar os conceitos atuais, discuti-los e mudá-los, entre todos, coletivamente, sem fazer alusão a um tipo de gente que causa e um outro que sofre, sem por gente contra gente; sem a hipocrisia épica de se representar o sofrimento com piedade, e, acima de tudo: sempre provocando a discussão, nunca fazendo teses, senhores e senhoras, que não somos moralistas, mas apenas discordantes constantes da moral vigente. Assim, não viemos ao fazer artístico para reclamar, somente, pela resolução do Efeito, mas sim para apresentar, a todos os compreendentes, a discussão e uma nova conceitualização e realização da Causa; e a isso podemos fazer somente pondo a discussão, sem teses ou sínteses.

Cidadãos Realtragistas: tomem consciência de que, como qualquer fenômeno coletivo, é preciso que a Razão seja por completo; por isso cobrar, antes mesmo da discussão o conhecimento de todos sobre a Realidade é primordial, ou seja: prezem pelo conhecimento antes do Realtragismo, para que, fundando-se deste conhecimento a discussão seja completamente dialética e coletiva. O Realtragista é quem coletiviza e generaliza a discussão a todos os seres que pertencem à Realidade, seja ela à geral, à social ou à regional, e que portanto: não deve se se omitir e se tirar do problema, já que também o causou.

Hiago Rodrigues Reis de Queirós.

25 de abril de 2009.

 
Creative Commons License
blog da Assessoria by Assessoria do Hiago is licensed under a Creative Commons Atribuição 2.5 Brasil License.
Based on a work at hrrq.webnode.com.
Direto da Assessoria do Hiago. Design by Pocket