Olhares em eclipse

apresentação de Hiago Rodrigues Reis de Queirós

por: Marcelo Moraes Caetano


  Hiago Rodrigues Reis de Queirós é um jovem autor de 19 anos, que, no entanto, arregimentou bagagem literária para deixar muito marmanjo de queixo caído. Já possui 19 livros publicados, sendo 9 de poesia, 9 romances e 1 de contos. O libriano, de 13 de outubro de 1989, nasceu no bairro da Lapa, zona centro-oeste da cidade de São Paulo, e foi criado em Ponta Grossa, interior do Estado do Paraná. Atualmente, é também responsável pela edição do site “O literático”, http://www.oliteratico.webnode.com , que vem se superando dia a dia em número de acessos e de interação com o público leitor e em qualidade dos autores ali hospedados.

Escolhi, para apresentá-lo aos leitores de Aliás, a história de Olhares em Eclipse (Editora: Clube de Autores: 2009, 494 páginas, 42 capítulos.) Talvez a escolha se dê pela coincidência temática de um dos (enigmáticos) personagens ser, assim como eu, um pianista.

Olhares em eclipse é antes de tudo uma história de vingança e de encontros e desencontros fortes, carregados na tinta, na medida certa de um bom texto que envolve seu leitor com a famosa (e sempre atual) catarse aristotélica. É um texto, sim, que desperta terror e compaixão, para citar o bom Estagirita, e o faz sem pudores ou eufemismos. Não vou fazer aqui uma sinopse gratuita da obra, nem uma resenha crítica tampouco; pretendo, apenas, apresentar, por entre uma fresta e outra, elementos que levem o futuro leitor a ter certa familiaridade com a obra. Pode-se dizer que é um thriller contemporâneo, com todos os elementos romanescos que dão qualidade a um texto que já seja canônico, como Os irmãos Karamazov, ou Os miseráveis, para citar apenas dois.

Trata-se, antes de tudo, da relação conturbada entre dois irmãos. Um, Alex, detetive de polícia, acredita cegamente que Átom, o outro irmão, que é um dos maiores pianistas do mundo, matou seus pais, ao incendiar sua casa, tendo ainda precoces oito anos de idade. Segundo a visão de Alex, Átom, o suposto assassino, por possuir um grande senso de amor-próprio, “não consegue amar ninguém”. Essa suposta falta de capacidade de amar (estaria o olhar de Alex vendo as coisas como elas são? ou estaria ele eclipsado por recalques e traumas que em nada teriam a ver de fato com a existência do irmão?), enfim, a suposta frieza de Átom cria, em Alex, um sentimento de vazio e nutre nele um desejo gradativo de vingança, que turva e conturba sua construção de sentidos em relação ao próprio irmão.

  Átom é de fato um personagem sombrio: parece mesmo não amar ninguém, não sentir emoção, ser frio, sem interesse algum em viver, mas apenas em sobreviver. Por outro lado, não parece apresentar características, por assim dizer, sociopatas: não trama contra ninguém, apenas vive para sua música, que realiza com grande maestria, e, por ser assim, não deixa de ser, no fundo, uma espécie de vítima da história, pois seu irmão, “justificado” pela certeza do ato doloso da criança “assassina” na figura de seu irmão, tira-lhe tudo.

Há também outra personagem instigante.Trata-se de Isabel, uma filha revoltada,que, quando criança, viu o pai perder a fortuna da família no jogo. Após essa desgraça, foram vendidas, ela e a mãe, para uma cafetina, que transformou sua mãe em prostituta. Isabel, ainda com nove anos, assiste à sua mãe sendo estuprada e, logo depois, a encontra enforcada, pois cometera suicídio, após a violência pública, em meio a todos os homens do bordel – o que também não pode deixar de ser considerado como um ato de vingança.

  Isabel cresce com essa enorme confusão interna, e promete para si mesma nunca apaixonar-se por homem nenhum, já que os seus paradigmas de homem – o pai e o estuprador que gerou o suicídio da mãe – pareciam, todos, indistintamente, imprestáveis. Ela amadurece com certa frieza e distância, uma misantropia que, como foi dito, se cravou em seu peito por suas experiências em relação aos homens que conheceu. Tem o desejo de somente dominá-los, como que para sua servidão. E faz, pouco a pouco, exatamente isso: domina toda a cidade, toma o bordel em suas mãos e reina sobre o submundo como uma prostituta sem sentimentos... Até que encontra Átom, e se apaixona. Eis o primeiro grande eclipse explícito da obra... O que Aristóteles,para citar o pai da Poética, chamaria de “peripécia” ou “acontecimento patético”, no capítulo XI da referida obra histórica e basilar.

  Isabel, engravida de Átom, mas ele agora está preso, o que foi causado por seu irmão. Isabel acaba perdendo a criança e morrendo em função de complicações desse parto. Eis a “catástrofe” aristotélica, apenas a primeira da obra... Átom é libertado condicionalmente para ver o corpo da amada, mas, após vê-la morta, não resiste, e toda a sua frieza é quebrada como um machado que fendesse uma muralha de gelo, parafraseando-se Kafka, e ele, tomado de emoções que oscilam entre fúria e desespero, joga-se de cima de uma imensa torre, e é tido como morto por todos os seus fãs, que choram a perda do gigante músico.

Alex também pensa que irmão está morto. Como sua vida inteira tinha sido dirigida ao fim de exterminá-lo, tudo perde o valor: ele sai da polícia e tudo entra em declínio, numa verdadeira Náusea, num Muro, para citar Sartre...

 No entanto, Átom se recupera no hospital, sendo tratado por Amália, que é médica e ex-esposa do próprio irmão de Átom – Alex. Ao fim de dez anos, o pianista está recuperado, só que não pode falar quem é realmente. Está com uma identidade nova, e começa a alimentar desejo de vingar-se do irmão.

  Alex, contudo, cheio de culpa, consumindo-se exatamente como se autoconsome o personagem de A peste, de Camus, está quase no fim, quase se matando, e se arrepende de ter supostamente provocado a morte do irmão.

  Sob o pretexto de reencontrar o irmão, Átom sequestra os médicos que foram responsáveis pelo parto mal-sucedido de sua amada Isabel, e que culminou com sua morte e de sua filha. Alex é novamente convocado pela polícia para reassumir seu cargo de detetive e investigar esse estranho sequestro. Os planos de Átom estão se consolidando a contento. Dentre os sequestrados, está a própria Amália,que era uma das médicas envolvidas na morte de Isabel e da filha dela com Átom.  

Alex consegue compreender tudo. Consegue libertar Amália e reatar o casamento com ela, a quem, após tantos anos, continuava, em segredo, amando ardorosamente. Além disso, Alex encontra-se com o irmão, descobrindo que ele está vivo, e pede o seu perdão. Trata-se de outro grande eclipse da história.

Os dois se encontram no topo da mesma torre em que Átom se jogara dez anos antes. Abraçam-se, perdoam-se. Mas, para o grande pianista, não há mais vida sem sua amada Isabel.

O desfecho disso tudo será surpreendente. Não vou falá-lo aqui, mas deixarei para que o leitor se envolva com essa história e com a mensagem final, que, sem dúvida, é um novo eclipse que ocorre no decorrer da história e de tantos olhares em curso e desvio, que acabam convergindo, talvez, para uma percepção de vida maior, que a todos, indistintamente, domina e, como as moiras do destino, decide pelo final de cada um, personagens ou pessoas.
 
Marcelo Moraes Caetano é carioca, professor de português, literatura, redação, inglês, francês e alemão. Além desses idiomas, fala italiano, latim, grego, espanhol, galego e mandarim. É pianista clássico, tendo sido aluno de Maria da Penha, Linda Bustani e Myrian Dauelsberg. No piano, foi vencedor de concursos no Brasil e no exterior, destacando-se o primeiro lugar no concurso Sul-Americano Guiomar Novaes (São Paulo); primeiro lugar no Concurso Nacional Clóvis Salgado, Fundação Mineira de Artes Aleijadinho (UFMG); segundo lugar no Concurso Internacional ArtLivre (São Paulo), além de ter sido um dos vencedores do Concurso Internacional Ciudad de Cordoba, então aos 15 anos de idade. Gravou um CD em que toca obras de Liszt e Schumann. Escritor, publicou Wittgenstein und Gebrauch (Rio de Janeiro: UERJ-CIFEFIL, 2000); A clara de ovo (Rio de Janeiro: 7Letras, 2003); A humanidade na arca de Noé: tempos paralelos que se encontram na paz (São Paulo: Ed. Vivali, 2005); Romances de entressafra: um estudo de anatomia do amor platônico (São Paulo: Ed. Vivali, 2005); Tópicos de gramática normativa da língua portuguesa (Lágrimas de Portugal, 2007); Português para concursos — matéria completa (Lágrimas de Portugal, 2007); Cemitério de centauros (Poesia. Lágrimas de Portugal, 2007, com prefácio e apresentação de Marcos Almir Madeira, Arnaldo Niskier e Antonio Carlos Secchin, membros da Academia Brasileira de Letras). Esta obra (Cemitério de Centauros) acaba de ser uma das duas premiadas como melhores livros de poesia pela Fundação Gutenberg-Firjan, sendo a premiação feita em setembro, na Bienal Internacional de Literatura do Rio de Janeiro, no Riocentro (2007). Além dessas obras publicadas, é também co-autor de dois livros realizados por concurso nacional pelo jornal de educação Folha Dirigida, pela Academia Brasileira de Letras e pela UNESCO-ONU: Solidariedade (Folha Dirigida-ONU-ABL, 2005) e Educação (Folha Dirigida-ONU-ABL, 2006). Os concursos tiveram, ao todo, mais de 70 mil participantes. Os dois livros tiveram publicação especial trilíngüe (inglês, francês e alemão), além de lançamentos no Rio, na ABL, e em Paris, na sede mundial da UNESCO, na Organização das Nações Unidas, com solenidades de premiação aos autores nas duas cidades, e foram distribuídos em bibliotecas de escolas e universidades em 190 países. Mais no ArgusCultura, Autores Virtuais, Jornal de Poesia, Sane Society, Recanto das Letras, Sonetos.
 
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